Cada Marcha das Margaridas é única, é singular! Ergue-se a partir de processos de luta próprios, marcados pelas condições e contradições vividas pelas mulheres naquele momento da história. Mesmo marcada por suas singularidades, é preciso acessar cada Marcha honrando as histórias, o legado político e as aprendizagens dos processos anteriores. Queremos dizer com isso que não existe a sétima Marcha sem a primeira... elas não se constroem isoladamente! Foi a partir do acúmulo dessas forças, construído ao longo de uma história de mais de 20 anos, que a Marcha das Margaridas passou a ser reconhecida como a maior ação latino americana protagonizada pelas mulheres do campo, da floresta e das águas. Num país marcado por profundas desigualdades, é fundamental demarcar que uma das maiores ações de luta e resistência popular, da história recente, vem das mãos das mulheres que trabalham e vivem nos rincões dos roçados, das florestas, dos alagados, dos rios e marés. Sim, estas são suas protagonistas, mas em nenhum momento marcham sozinhas, fortalecem o passo unindo suas mãos as das mulheres das cidades, as das trabalhadoras das periferias urbanas e dessa mistura, vão afirmando sua diversidade para construir um mundo melhor.
É importante mencionar que no Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR), a conquista de mais participação e poder para as mulheres e a luta por mais democracia tem sido longa. Nos anos 1980, no Brasil, mulheres trabalhadoras se engajaram na luta pelo direito a serem sindicalizadas, reivindicação que se ampliou para conquistar voz e voto nos sindicatos e, depois, nos anos 90, para conquistar cotas nos espaços de direção e deliberação do MSTTR. Esta história de lutas abriu caminhos para profundas discussões e a aprovação da paridade de gênero nos espaços deliberativos da CONTAG, ampliada, posteriormente, para as demais entidades confederadas. Essa foi uma conquista das trabalhadoras rurais que, com habilidade e diálogo, têm construído caminhos para tornar o movimento sindical um espaço mais forte e democrático.
A concepção de direitos que pautou a luta sindical rural até os anos 80, não incluía outras dimensões sociais que se articulam e se integram à luta de classe, como as desigualdades e discriminações de gênero, geração, raça e etnia. Não havia, até meados da década de 80, um posicionamento político do MSTTR em relação à opressão e subordinação das mulheres, muito menos em relação às outras formas de discriminações e desigualdades que atingem as/os jovens, as/os idosos/as, negros/as e os diversos grupos étnicos que compõem as populações rurais nas diferentes regiões do país.
A ausência de interlocução entre as dimensões de gênero, geração, raça e etnia, se por um lado foi lamentável, por outro estimulou a afirmação e organização de novos sujeitos no interior do movimento sindical, iniciando com as mulheres em meados dos anos 80 e 90, e com a juventude e 3ª idade a partir de 2000. A organização das mulheres trabalhadoras rurais no MSTTR, a partir dos anos 80, se insere no contexto de expressiva atuação movimento feminista no Brasil. Trata-se de um contexto de emergência dos movimentos sociais, de lutas pela democracia e por um projeto de país comprometido com a classe trabalhadora e setores populares. O movimento feminista questiona os tradicionais sujeitos políticos, propõe, estimula e promove a afirmação e organização dos grupos sociais historicamente excluídos, especialmente as mulheres. Nos anos 90, as mulheres trabalharam duro na criação das Coordenações e Comissões de Mulheres em vários Sindicatos, Federações e na Contag; conquistaram, de forma habilidosa, a aprovação e implementação, em 1998, da cota de participação de, no mínimo, 30% de mulheres nos espaços deliberativos, inclusive na direção executiva da Contag. Foi preciso muita ousadia e sabedoria das mulheres lideranças sindicais para forçar as portas e, com isso, abrir novas possibilidades de participação, mas não nos enganemos: mesmo diante dessas conquistas essenciais, as trabalhadoras rurais organizadas dentro do sindicalismo seguiam sendo alvos de práticas machistas e racistas.
Em 2000 as mulheres realizaram a primeira Marcha das Margaridas. Ainda que a trajetória de participação articulada das mulheres no MSTTR nesse momento completava pouco mais de dez anos, o perfil do MSTTR já se apresentava bastante transformado. As mulheres não somente transformaram o modo de fazer política, introduzindo dimensões da subjetividade, como a mística, os cantos, as atividades culturais como também ampliaram e qualificaram a plataforma e agenda política do MSTTR. Com a realização da Marcha as mulheres se afirmaram em seu protagonismo político, conquistando visibilidade social e política, qualificando sua agenda política e capacidade de interlocução e negociação com o Estado. A Marcha das Margaridas veio se consolidar na agenda política do sindicalismo brasileiro e em sua capacidade de articulação e construção de parcerias com os movimentos sociais, feministas, organizações internacionais, movimentos de mulheres do campo e da cidade. Desde 2000, em marcha, essas mulheres buscam conquistar visibilidade, reconhecimento social, político e cidadania plena. Sua construção se firma a partir de processos formativos, de debate, proposição, negociação, ação e pressão política, vivenciados nas comunidades, municípios e estados, e que culmina, a cada quatro anos, na realização de um ato público que ocupa as ruas da capital do País.
Coordenada pelas mulheres da Confederação Nacional de Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), de 27 Federações e de mais 4 mil Sindicatos filiados, a Marcha das Margaridas se constrói em aliança com os movimentos feministas e de mulheres trabalhadoras, centrais sindicais e organizações internacionais. A criação da Secretaria Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais em 2009 antecedida por uma Coordenação de Mulheres que integrou a estrutura da CONTAG desde 1995, teve papel fundamental para impulsionar e coordenar a agenda das mulheres juntamente com a Comissão Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais, composta por representantes de todas as federações.
A Comissão Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais é um espaço articulatório privilegiado composto por lideranças – coordenadoras estaduais de mulheres de cada uma das Federações ligadas à CONTAG.
Presidida atualmente pela Secretária Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais da CONTAG, Mazé Morais, a CNMTR é a promotora da Marcha das Margaridas e a responsável por fazer todo o diálogo nacional se capilarizar nos Estados, municípios e comunidades de todo o Brasil, bem como colaborar no processo inverso, de trazer para o âmbito nacional as demandas, debates e especificidades do local.
Nesse desafio de unir o local e o nacional, a CNMTR assume a importante tarefa de congregar, organizar e priorizar as demandas das mulheres trabalhadoras rurais no caminho de fortalecer o movimento sindical de trabalhadores e trabalhadoras rurais e a concretização do Projeto Alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário.
Conheça agora um pouco desses grupos e veja porque elas apóiam a
Marcha e o que esperam da Marcha das Margaridas!